quinta-feira, 3 de junho de 2010

A SOLIDÃO DE MARIA


Uma sensação de impotência e desânimo abateu-se sobre a Maria. Deambulava pelas ruas, pela calçada de pedras irregulares, sentia os pés doridos de tanto caminhar. Caminhava sem destino. A cidade, gigantesca, de prédios altos, cheia de carros, de rostos anónimos, de olhares que se cruzavam, sufocavam-na. 
Os pensamentos causavam-lhe desgaste, sentia-se desesperada, queria encontrar uma saída mas as portas fechavam-se, uma a uma... Olhares cordiais mas frios, palavras gastas, repetitivas, ouvidas vezes sem conta ou, simplesmente, a ausência delas, denotando a mais profunda insensibilidade... Tudo isso lhe roubava a vontade de continuar a viver.
Só e sem o apoio de um companheiro, dos pais, de uma família, cheia de medo pelos filhos que dela dependiam, um deles doente, sentia cada vez mais perto as garras do desespero a cercá-la, a açoitá-la impunemente. Passavam-lhe pensamentos tristes pela cabeça. Procurava uma solução para os seus problemas, mas o desemprego tinha-a atirado para o fundo do abismo, lamacento e poderoso.
Naquele dia, pensou que a porta aonde iria bater se abriria, finalmente. A Maria pensou, levou a esperança consigo, mas a porta apenas se entreabriu para, logo a seguir se fechar.
Uma cidade enorme, tanta gente... e ela tão só, sem saber para onde ir, onde procurar mais, o que fazer.
Tentava preservar a dignidade, a custo, viver de aparências... Sabia que a Sociedade maltratava, marginalizava, condenava sem pudor, fingia aceitar as diferenças sociais mas, no fundo, era hipócrita e redutora.
Havia quem, supostamente, deveria exercer o papel mediador de ajuda, de aconselhamento e orientação, para a abertura de novos caminhos,  e prestar a assistência de que Maria e a sua família careciam. Ao invés, e sem que ela entendesse, esse alguém, exercia uma perseguição e pressão cerradas, intencional, com o propósito de espezinhar e atentar contra os mais elementares direitos, consignados na Constituição da República Portuguesa: o direito à sua privacidade e intimidade de sua casa, fazendo-se valer de uma lei estúpida e inconstitucional, que há muito deveria ter sido revista, na sua forma e conteúdo. Esse alguém, demonstrava nas abordagens a Maria o mais profundo desrespeito por ela e pelos seus filhos, não se importando com o sofrimento de uma família.
Ela queria gritar, mas já nem forças tinha. Estava a desistir de tudo...
Amigos, no sentido literal do termo, não tinha. Perdera-os com o divórcio ou melhor, nunca os tivera, verdadeiramente. Os amigos, quando verdadeiros, permanecem nos momentos de maior aflição.
Tinha-se tornado uma mulher solitária e o desespero apoderara-se de si, como tentáculos de um polvo a apertá-la, a roubar-lhe os sonhos, o desejo de ser feliz.
Maria era uma mulher muito bonita, por dentro e por fora. Era preciso conhecê-la para que se apercebessem da sua generosidade. Quando não se sentia ameaçada, abria as portas do seu coração, era  uma pessoa doce, uma simpatia, uma mulher com um enorme sentido de responsabilidade.
As vicissitudes da vida, levaram a que nem sempre tivesse feito as melhores escolhas, quer por imaturidade, mau aconselhamento ou pressões familiares. Agora sofria na pele as consequências.
Um casamento desfeito, um marido que fora prepotente, opressor e agressor, e os filhos com que ficara.
Ela vivia a maior das solidões e pensava pôr termo à existência. Estava à beira da loucura, perdida, numa cidade onde tantas pessoas se cruzavam, alheias ao seu sofrimento, onde a ausência dos afectos, de uma mão verdadeiramente amiga, era uma realidade pesada.
O que poderia representar para a Sociedade? Que valor teria? Teria valor, sim, apenas para os seus filhos... para mais ninguém. Para o Estado, seria apenas mais um dado estatístico, um número...
E o Governo apregoava, à boca cheia, através do seu representante, o Sr. Primeiro-Ministro, Engº. José Sócrates, que a crise era uma miragem, um devaneio da oposição, que iria cumprir as metas do crescimento económico e que as estatísticas não eram fiáveis... Que o desemprego estava a baixar... Que os grandes investimentos tinham  que se cumprir, a bem do progresso e de um país moderno...
Não, Sr. Primeiro-Ministro! Um país cada vez mais pobre, um país de muitas Marias sofredoras, um país à beira do colapso social, um país de pobreza envergonhada, de famílias desesperadas, um país de seiscentos mil desempregados, por enquanto... Portugal, o meu país!!


Written by: Isabel Vilaverde
Junho de 2010

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