sexta-feira, 13 de agosto de 2010

E CELEBRÁMOS A NOITE




A noite convidava a ficar,
 Não tinha pressa de regressar a casa,
As luzes da marginal
Recortavam a baía imensa
Prateada pelos raios do luar,
A brisa, suave, envolvia-se cúmplice
Nas nossas conversas,
Passos lentos ecoavam na calçada,
Os saltos dos meus sapatos
Picando, amiúde, as pedras,
Sentia-me bem contigo,
Tão bem, que receava que esse momento
Fosse apenas um sonho...
Não queria acordar para os dias cinzentos,
Para as noites longas,
Não queria acordar para as palavras
Silenciadas,
Queria estar ali e eternizar, contigo, essa partilha,
Desfrutar da paz que me transmitias,
De vez em quando parávamos,
Para sentirmos mais intensamente,
O cheiro a maresia que se desprendia
Daquele marulhar calmo das ondas,
Beijando a areia deserta de gente,
De repente, viraste-te suavemente para mim
E olhando-me, disseste, és como eu...
Procuras o que eu procuro,
Viver a vida,
Detendo-te no que é o essencial,
Sabes escutar o silêncio
E encontrar, nos pequenos nadas,
A razão de viver,
Inspiras-me tranquilidade, és linda!
O seu rosto aproximou-se
Do meu, devagar...
E celebrámos a noite, ali,
Sob o manto de estrelas,
Com um beijo de ternura consentido,
E um abraço do tamanho do mar...
De repente acordei, primeiro confusa,
Depois percebi que tudo não passara de um sonho,
Pretendi voltar, só mais um bocadinho que fosse,
Fechei os olhos, mas já não foi possível
Levantei-me e abri a janela do quarto,
Para espreitar a cidade ainda adormecida
E relembrar esse pequeno grande momento de felicidade.

Written by: Isabel Vilaverde
Agosto 2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

QUANDO PUDERMOS


Convidaste-me para um café,
Pretexto para conversarmos,
Sentámo-nos...
O silêncio reflectia-se nos olhares,
Aparentavas estar mais magro,
E eu, como estaria perante os teus olhos?
Vieram os cafés,
Sem pressa de os tomarmos, ficámos abstraídos
Com os nossos pensamentos,
Bebe, disse eu, após o ritual de abrir o pequeno pacote
E o diluir no líquido quente,
Tentativa de quebrar
A longa pausa do momento,
Fica frio, acrescentei,
Ah! É verdade ( lembrei-me),
Gostas do café frio e sem açúcar,
E tu, disse ele,
Gostas do café quente
E aromatizado com canela,
Sim, é verdade, ainda te lembras...
Como poderia esquecer? Disse, olhando-me nos olhos,
Não sei, já passou tanto tempo, disse eu,
Mas nada esqueci, nem de um só momento, disse ele.
Ah! Disse eu de novo, pegando no copo de água
Para preencher o vazio das palavras,
Como estás? (perguntei),
Como tens passado? (perguntaste-me),
O que queres que te responda?
Vou passando, disse eu.
Da análise inicial, passo à afirmação,
Estás mais magro...
E tu, estás igual, bonita, com o mesmo brilho no olhar,
Se soubesses da tristeza, tantas vezes chorei (pensei),
Bondade a tua, disse
Não, verdade inquestionável,
O mesmo olhar, o mesmo sorriso, disse sem desviar os olhos dos meus,
Estou mais velha, isso sim,
Para mim, estás igual!
Linda, como quando te conheci,
Obrigada, sempre cavalheiro, disse, meia desconcertada,
Mas quatro anos passaram por mim, por nós,
Ou nós por eles, já nem sei...
Pegámos nas chávenas,
Sincronizados no gesto,
Dessincronizados na vida,
Desculpa, disse eu,
Sentindo ainda algum desconforto
Pelo fim da nossa relação de três anos,
São horas, tenho de ir,
Pouco mais haveria para dizer
Naquele momento, ou em qualquer outro,
Talvez por falta de coragem
Depois de tão longo desencontro,
Obrigada pelo café!
Obrigado eu, pela companhia!
Vemo-nos por aí se quiseres...
Talvez, quando eu puder (disse),
Não sabendo se iria querer...
Sim, claro, disse ele,
Quando pudermos!

Written by: Isabel Vilaverde
Agosto 2010

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O TEU CHORO DÓI


Acocorou-se, pés descalços,
Junto a um buraco,
Fez uma conchinha com as mãos
E bebeu, sôfrego, a água suja
Da chuva que ali ficara.
Acalmou a sede,
Mas a fome sacudia-o de tal modo,
Que se deitou sobre as pedras
Por não aguentar mais as dores.
Os transeuntes passavam,
Com passos lentos ou apressados,
E quando um lamento surgia,
Abanavam as cabeças e seguiam as vidas,
Sem interrupções ou desvios...
Alguém cuidasse destas crianças!
Quantas crianças neste mundo, mosaico de contrastes,
De miséria exposta ou escondida,
De vaidades umbilicais...
Pequenino botão, de cabelos ao vento,
Olhos grandes de espanto, olhar de sofrimento,
Sem saberes porquê, vives na dor,
De braços estendidos, pedes somente amor,
Corpinho franzino de vestes puídas e sujas,
O teu choro dói no meu peito,
Que dor ver-te assim tão maltratado,
Pergunto-me, qual foi o teu pecado?
Sofres na espera de um colo para te acolher,
Nasceste para ser amado,
Mas és desprezado, pequenino Ser.

Written by: Isabel Vilaverde
Agosto 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

PERCORRO A NOITE


Percorro a noite...
Perseguido pela sombra colada às minhas costas,
Mártir de mim, amargurado pela orquestra
De pensamentos desafinados que habitam a minha cabeça,
Toca, em cadências decadentes como eu,
Dobrando esquinas de becos sem saída...
Percorro a noite...
E, de passos lentos, respiro a vida
Que deixo escapar, à medida que os ponteiros
De um relógio, incrivelmente certo,
Fazem de mim um ser obediente, um sonhador,
Um idiota, um crente ou talvez não...
Nos bolsos, mãos vazias de ti...
Nos olhos, os contornos do teu corpo cingido ao meu,
Acendo um cigarro... maldito vício!
Inalo profundamente o fumo...
Soltando-o devagar, entrecortado de pausas...
Beijo-te em silêncio e guardo de ti o sorriso que me fez amar-te...
Percorro a noite...
Errante, o eco dos passos que teima em perseguir-me!
Não tenho sono, não tenho chão...
Dentro de mim corre um rio de solidão!
Preciso de te ter nos meus braços,
Para o Sol brilhar no meu coração.

(Dedicado à memória de um
grande amigo).

Written by: Isabel Vilaverde
Agosto 2010
 
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