quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

MOMENTOS DE NOSTALGIA




     Sofia estava melancólica. Era Domingo e, nesses dias, sentia-se sempre assim. Sentia a solidão de uma forma mais intensa, não gostava dos Domingos. Sentou-se no sofá de couro, envelhecido e gasto pelo passar dos anos. Recuou ao passado, ao tempo em que este fora ocupado pelo seu pai. Tinha sido o seu lugar favorito. Ali se sentara, anos a fio, a ler o jornal, a dissecar, sem pressa, as notícias. Quantas vezes adormecera, sucumbindo ao cansaço dos seus oitenta anos. Devagarinho, para não o acordar, Sofia aproximava-se, retirava-lhe os óculos e, delicadamente, aconchegava-o na manta de lã.
     Enquanto ali permaneceu sentada, Sofia foi desfiando memórias de um tempo em que se sentiu verdadeiramente feliz. Pensava agora que rumo dar à sua vida. Por vezes, tinha a sensação de ter feito todo um percurso, toda uma caminhada em vão. A vida ainda não lhe trouxera coisas boas, com excepção da alegria que sentira ao ter sido mãe.
     Tinha passado por dois casamentos, por dois divórcios e por três maternidades. Não queria que o passado, que tanto a magoara, continuasse a interferir no seu presente. Vivera os anos seguintes aos divórcios a martirizar-se. Fizera recair sobre si, todas as culpas do que lhe acontecera. Depois de um longo caminho percorrido, achou que muito aprendera com os erros do seu passado. O mais importante, foi ter compreendido que a auto-inculpação não fazia sentido. Havia um presente para viver e ela, Sofia, queria construir e projectar, a partir dele, um futuro melhor, onde os sonhos pudessem atingir a dimensão do concreto e não ficassem somente pela construção onírica. Desejar, sonhar e ser pragmática. Para trás deveria ficar a falta de vontade, o medo em acreditar de novo no amor, a interrogação constante, se não seria o amor um capricho da alma...
     Embrenhada nos seus pensamentos, as mãos percorriam, num vaivém, sem se dar conta, os braços do velho sofá de couro, certamente ainda impregnado da energia do seu saudoso pai. Tinha sido o seu melhor amigo e cúmplice, em tantos momentos. Quando o seu pai partiu, aos oitenta e dois anos de idade, ficou um vazio impossível de descrever.
     De repente, como se tivesse acordado de um sono profundo, Sofia espreitou o relógio. Eram onze horas e decidiu ir até à praia. Adorava o mar. Gostava de se sentar a observá-lo, de ouvir o murmurejar das ondas ao embaterem nas rochas. Gostava de olhar o céu, no seu esplendor de azul, e de ver a união perfeita entre este e o mar. Meteu-se no carro e, ao som da música de flautas de Pã, conduziu devagar, por entre a paisagem, salpicada de laranja e verde, de árvores esguias e frondosas, que ladeavam a estrada de asfalto de acesso à praia.
     Estacionou e desceu as escadinhas até ao areal. Descalçou-se, sentiu a areia macia acariciar-lhe os pés. A brisa marítima, um pouco forte, arrefecia-lhe a pele, entrando pela blusa de lã macia. A saia, rodada e comprida, rodopiava-lhe no corpo, parecendo querer voar livre como uma gaivota. Sofia adorava o Outono, muito mais do que qualquer outra estação do ano. As cores fantásticas com que os campos se vestiam, a brisa fresca ao cair das tardes, os cheiros nas ruas, trazidos pelos assadores de castanhas... extasiavam-na.
     Sentou-se, de frente para o mar, a observar o voo rasante das gaivotas sobre as águas que, lentamente, iam pousando na areia, aproximando-se, curiosas, na expectativa, talvez, de um pedaço de comida. Sofia, quieta e curvada sobre as pernas dobradas, ouvia o som que emitiam, parecendo estar felizes, ao contrário dela. Levantou-se e aproximou-se mais do mar.Tocou, ao de leve, os restos de espuma que as ondas deixavam, num movimento oscilante, ao desfazerem-se na areia. Nela escreveu um nome e, em pensamento, deu-lhe um rosto, fez com que existisse e se tornasse real aos seus olhos. Imaginou o seu abraço a envolvê-la. Há muito tempo que desejava viver um grande amor, único, verdadeiro, arrebatador, mas também, sereno, tranquilo, partilhado, pleno. O passado tinha-lhe sequestrado esse desejo. Hoje, Sofia, sentia-se liberta, com uma força imensa para ir ao encontro desse Ser para o qual viveria, e com o qual partilharia a felicidade de amar e de ser amada. Queria acreditar que dele andaria, apenas por qualquer circunstância, desencontrada. Continuou a escrever na areia, palavras ao acaso e a vê-las desaparecer com o esbracejar das ondas. Em pensamento, pedia para que ele viesse ao seu encontro. Todos os momentos, bons ou maus, passariam a pertencer a esse amor. Apelava, em silêncio, para que ele a escutasse, olhando o mar imenso, vestido de um azul profundo. Queria que ele viesse e se sentasse ali com ela para que, juntos, pudessem ouvir a canção que o mar canta. Queria viver com ele cada minuto, como se fosse o último da sua vida e, porque Sofia já apaziguara a sua dor, aprendera a esperar e a sonhar de novo.

Autora: Isabel Vilaverde
Setembro de 2009
(@Todos os Direitos Reservados).

MAR DE BRUMA


Não sei há quanto tempo estou aqui,
Sentada à chuva neste lugar de ninguém,
Nem a sinto...
O mar enche-me os olhos já plenos de outro mar,
Dou-me à areia fria, nesta praia vazia,
Deito-me, quero ficar até ao entardecer...
Até o cetim do céu escurecer
E a lua espreitar.
Penso nos versos que não te fiz,
Nos beijos guardados por te dar,
Na vida que não vivemos,
Por capricho, por falta de amor,
Por medo de amar.
Não quero pensar que tudo o que vivemos
Foi uma mentira de sonhos dispersos,
Que conto nestes versos, vestidos de dor.
Mar de bruma, véu de lágrimas,
Envolve-me neste silêncio onde ao romper
Do Sol a névoa se esfuma,
E o meu corpo se veste de flores de espuma,
Já não quero ir para outro lugar,
Nem sentir a aragem quente e luminosa,
Quero apenas olhar-te, oh  mar,
Majestoso, poético, o meu mar,
Onde divido a saudade, onde quero chorar.

Written by: Isabel Vilaverde
23 de Fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

VOLÚPIA DO AMOR


Mãos deslizam na pele nua,
Percorrendo o meu corpo oferecido
À volúpia do amor...
Olhos que se olham como dois oceanos
De esperança,
Feita de um mar profundo e arrebatador,
Lábios carnudos, macios e sedutores,
Recebem beijos molhados e quentes,
De um amor feito ternura e sensualidade,
Dedos que desenham no meu peito
Gestos de carinho,
Soltam-me das correntes de um passado,
Afagos demorados,  poema declamado,
Vazio preenchido, segredos desvendados,
Caminho a dois percorrido.
A noite toca-nos com o seu charme,
O mundo lá fora dorme,
Um manto de brilho e fulgor
Abriga-nos os corpos sem frio,
Abandonados à fogueira do amor,
Rasgamos madrugadas de desejo,
Apagamos nas bocas  doces beijos,
Construímos um castelo de sonhos,
Para nele morar e o nosso amor guardar,
Deus olha-nos do alto do céu,
E concede-nos o trono da paz,
Trilhamos o mesmo caminho,
Desbravamos o futuro,
Adormecemos felizes e abraçados,
Sentimos que o mundo jamais nos irá silenciar
A vontade imensa de amar,
Queremos viver a plenitude do amor,
Como dádiva maior e a mais querida,
Como o girassol, que procura o sol,
E se dá, em pleno, à vida.

Written by: Isabel Vilaverde
17 de Fevereiro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

AMAR-TE




Olhar intenso, absorto no amor imenso
Que nos deslumbra e seduz,
Chama rubra e quente que nos envolve,
Nos convida a respirar a essência da vida, a amar,
Tempo de encontro de almas perdidas,
Gemido libertador que dentro de nós floresce,
Paz que sentimos no abraço que damos,
E o desejo em nós cresce,
Bocas sedentas bebendo nos lábios
Doces beijos saboreados,
Fogueira ateada de desejo
Corpos naufragados no infinito amor
Que nos acolhe,
Pele que arrepia ao toque,
Olhos fechados, mãos que se dão sem pressa,
Dedos que passeiam lentos, leves...
Descobrindo segredos, libertando
Tormentos e medos,
Corpos que entregamos como dádiva divina,
Aos momentos fulgurosos do prazer,
Braços que abraçam carinhosos,
Nossos corpos enlaçados até ao amanhecer,
E os sorrisos rasgados, esplendorosos,
Que soltamos,
Permanecem nos rostos ao acordar,
Tocamos ao de leve as bocas,
Cruzamos, cúmplices, o olhar,
Não nos cansamos de amar,
Doce descoberta, felicidade sentida,
Só a ti me quero entregar, me perder e me encontrar,
Meu amor, minha vida.


Written by: Isabel Vilaverde
6 de Fevereiro 2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

É URGENTE


É urgente amar-te mais do que ontem,
E muito mais ainda amanhã,
É urgente beijar-te os olhos brilhantes,
Fazer-te esquecer a solidão,
É urgente passearmos de mãos dadas,
Por entre a multidão anónima,
É urgente conversar ou, simplesmente
Beber o silêncio das nossas bocas,
Ao olhar-mo-nos felizes,
É urgente viver o nosso amor,
Sem  amarras de um passado,
É urgente  construirmos o nosso castelo,
Com todos os pedaços que guardámos das nossas vidas,
É urgente rir, por mais que as nuvens pairem sobre nós,
É urgente brincar, silenciar palavras e abraçar,
Sentir e entregar-mo-nos ao amor,
É urgente amarmos  todas as coisas simples e todos os dias,
Como se cada um fosse o último das nossas vidas,
É urgente olhar-mo-nos,
Sentir que a vida é a dádiva perfeita,
É urgente viver... e viver para te amar.
 
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