domingo, 3 de janeiro de 2010

MENINO DE OLHAR TRISTE( uma história verídica)


Lembra-se bem do seu olhar triste. Olhos grandes, de um negro profundo, sobressaiam num pequeno rosto, de tez muito morena, marcado pela magreza. Os cabelos pretos, aos caracóis, emolduravam-lhe a cara de criança que deveria ter cerca de 4 anos.
O corpo franzino, vestido apenas com uns calções desbotados, esburacados e sujos, pousava sentado num degrau, junto a uma porta fechada. Era uma tarde de fim de Agosto, um pouco ventosa. Aquela criança, ali sozinha, descalça, seminua, a quem pertenceria? Os pais, onde estariam?
Como era possível, numa rua da baixa da cidade, tão movimentada, ninguém reparar nela? Os olhares indiferentes dos transeuntes, envoltos nos seus próprios pensamentos e problemas, não deixavam observar, por um momento sequer, aquele menino.
A certa altura, uma jovem parou a observar esse menino franzino, de olhar triste. Depois, quis saber mais... acercou-se dele devagar e, com voz calma e doce, disse-lhe:
- Não tenhas medo, vou sentar-me ao teu lado um bocadinho, posso?
O menino, envergonhado, olhou ainda mais para o chão, escondeu as mãos no meio das pernas e apertou-as uma contra a outra.
- Como te chamas? Queres dizer-me o teu nome? O que fazes aqui? Os teus pais onde estão?
O menino não respondeu a nenhuma pergunta. Intrigada, a jovem continuou a tentar conversar até que lhe perguntou se tinha fome. Ele, finalmente, acenou timidamente com a cabeça que sim.
A jovem, cheia de esperança, levantou-se, pegou-lhe na mãozinha frágil e levou-o para sua casa.
Contou aos pais onde o encontrara. Estes, habituados que estavam às demonstrações de generosidade constantes da filha, não estranharam. A jovem, de 11 anos, pediu à mãe que fosse comprar alguma roupa para o menino. Depois, deu-lhe banho, deu-lhe de comer, tratou-o como se fosse o irmão mais novo que não tinha.
Os pais, explicaram-lhe que tinham que ir à Polícia relatar o caso e entregar o menino. Já na Polícia, apurou-se mais tarde que a criança tinha sido abandonada. Com profunda tristeza e não compreendendo porque é que não podia ficar com aquele menino de olhar triste, a jovem chorou, chorou muito.
O menino foi para uma Instituição. Meses mais tarde, as vicissitudes da vida fizeram com que a jovem viajasse com os pais para Moçambique. Perderam-se um do outro. Anos mais tarde, regressaram a Portugal. A jovem quis ir à sua procura. Nunca esquecera aquele menino. Sabia apenas que ele se chamava José. Mas, entre tantos meninos com o mesmo nome,José, era muito vago, não conseguiu encontrá-lo.
Daquele dia, guardava a memória de um olhar triste, de uns olhos grandes, de um negro profundo que sobressaiam num rosto pequeno, marcado pela magreza. Até hoje, não esqueceu o
seu corpo franzino, seminu, sem culpa, à espera de um abraço, de um beijo, de um colo... à espera
de amor! Essa jovem, hoje mulher e mãe, era eu.









Written by: Isabel Vilaverde

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