Sofia estava melancólica. Era Domingo e, nesses dias, sentia-se sempre assim. Sentia a solidão de uma forma mais intensa, não gostava dos Domingos. Sentou-se no sofá de couro, envelhecido e gasto pelo passar dos anos. Recuou ao passado, ao tempo em que este fora ocupado pelo seu pai. Tinha sido o seu lugar favorito. Ali se sentara, anos a fio, a ler o jornal, a dissecar, sem pressa, as notícias. Quantas vezes adormecera, sucumbindo ao cansaço dos seus oitenta anos. Devagarinho, para não o acordar, Sofia aproximava-se, retirava-lhe os óculos e, delicadamente, aconchegava-o na manta de lã.
Enquanto ali permaneceu sentada, Sofia foi desfiando memórias de um tempo em que se sentiu verdadeiramente feliz. Pensava agora que rumo dar à sua vida. Por vezes, tinha a sensação de ter feito todo um percurso, toda uma caminhada em vão. A vida ainda não lhe trouxera coisas boas, com excepção da alegria que sentira ao ter sido mãe.
Tinha passado por dois casamentos, por dois divórcios e por três maternidades. Não queria que o passado, que tanto a magoara, continuasse a interferir no seu presente. Vivera os anos seguintes aos divórcios a martirizar-se. Fizera recair sobre si, todas as culpas do que lhe acontecera. Depois de um longo caminho percorrido, achou que muito aprendera com os erros do seu passado. O mais importante, foi ter compreendido que a auto-inculpação não fazia sentido. Havia um presente para viver e ela, Sofia, queria construir e projectar, a partir dele, um futuro melhor, onde os sonhos pudessem atingir a dimensão do concreto e não ficassem somente pela construção onírica. Desejar, sonhar e ser pragmática. Para trás deveria ficar a falta de vontade, o medo em acreditar de novo no amor, a interrogação constante, se não seria o amor um capricho da alma...
Embrenhada nos seus pensamentos, as mãos percorriam, num vaivém, sem se dar conta, os braços do velho sofá de couro, certamente ainda impregnado da energia do seu saudoso pai. Tinha sido o seu melhor amigo e cúmplice, em tantos momentos. Quando o seu pai partiu, aos oitenta e dois anos de idade, ficou um vazio impossível de descrever.
De repente, como se tivesse acordado de um sono profundo, Sofia espreitou o relógio. Eram onze horas e decidiu ir até à praia. Adorava o mar. Gostava de se sentar a observá-lo, de ouvir o murmurejar das ondas ao embaterem nas rochas. Gostava de olhar o céu, no seu esplendor de azul, e de ver a união perfeita entre este e o mar. Meteu-se no carro e, ao som da música de flautas de Pã, conduziu devagar, por entre a paisagem, salpicada de laranja e verde, de árvores esguias e frondosas, que ladeavam a estrada de asfalto de acesso à praia.
Estacionou e desceu as escadinhas até ao areal. Descalçou-se, sentiu a areia macia acariciar-lhe os pés. A brisa marítima, um pouco forte, arrefecia-lhe a pele, entrando pela blusa de lã macia. A saia, rodada e comprida, rodopiava-lhe no corpo, parecendo querer voar livre como uma gaivota. Sofia adorava o Outono, muito mais do que qualquer outra estação do ano. As cores fantásticas com que os campos se vestiam, a brisa fresca ao cair das tardes, os cheiros nas ruas, trazidos pelos assadores de castanhas... extasiavam-na.
Sentou-se, de frente para o mar, a observar o voo rasante das gaivotas sobre as águas que, lentamente, iam pousando na areia, aproximando-se, curiosas, na expectativa, talvez, de um pedaço de comida. Sofia, quieta e curvada sobre as pernas dobradas, ouvia o som que emitiam, parecendo estar felizes, ao contrário dela. Levantou-se e aproximou-se mais do mar.Tocou, ao de leve, os restos de espuma que as ondas deixavam, num movimento oscilante, ao desfazerem-se na areia. Nela escreveu um nome e, em pensamento, deu-lhe um rosto, fez com que existisse e se tornasse real aos seus olhos. Imaginou o seu abraço a envolvê-la. Há muito tempo que desejava viver um grande amor, único, verdadeiro, arrebatador, mas também, sereno, tranquilo, partilhado, pleno. O passado tinha-lhe sequestrado esse desejo. Hoje, Sofia, sentia-se liberta, com uma força imensa para ir ao encontro desse Ser para o qual viveria, e com o qual partilharia a felicidade de amar e de ser amada. Queria acreditar que dele andaria, apenas por qualquer circunstância, desencontrada. Continuou a escrever na areia, palavras ao acaso e a vê-las desaparecer com o esbracejar das ondas. Em pensamento, pedia para que ele viesse ao seu encontro. Todos os momentos, bons ou maus, passariam a pertencer a esse amor. Apelava, em silêncio, para que ele a escutasse, olhando o mar imenso, vestido de um azul profundo. Queria que ele viesse e se sentasse ali com ela para que, juntos, pudessem ouvir a canção que o mar canta. Queria viver com ele cada minuto, como se fosse o último da sua vida e, porque Sofia já apaziguara a sua dor, aprendera a esperar e a sonhar de novo.
Autora: Isabel Vilaverde
Setembro de 2009
(@Todos os Direitos Reservados).
Enquanto ali permaneceu sentada, Sofia foi desfiando memórias de um tempo em que se sentiu verdadeiramente feliz. Pensava agora que rumo dar à sua vida. Por vezes, tinha a sensação de ter feito todo um percurso, toda uma caminhada em vão. A vida ainda não lhe trouxera coisas boas, com excepção da alegria que sentira ao ter sido mãe.
Tinha passado por dois casamentos, por dois divórcios e por três maternidades. Não queria que o passado, que tanto a magoara, continuasse a interferir no seu presente. Vivera os anos seguintes aos divórcios a martirizar-se. Fizera recair sobre si, todas as culpas do que lhe acontecera. Depois de um longo caminho percorrido, achou que muito aprendera com os erros do seu passado. O mais importante, foi ter compreendido que a auto-inculpação não fazia sentido. Havia um presente para viver e ela, Sofia, queria construir e projectar, a partir dele, um futuro melhor, onde os sonhos pudessem atingir a dimensão do concreto e não ficassem somente pela construção onírica. Desejar, sonhar e ser pragmática. Para trás deveria ficar a falta de vontade, o medo em acreditar de novo no amor, a interrogação constante, se não seria o amor um capricho da alma...
Embrenhada nos seus pensamentos, as mãos percorriam, num vaivém, sem se dar conta, os braços do velho sofá de couro, certamente ainda impregnado da energia do seu saudoso pai. Tinha sido o seu melhor amigo e cúmplice, em tantos momentos. Quando o seu pai partiu, aos oitenta e dois anos de idade, ficou um vazio impossível de descrever.
De repente, como se tivesse acordado de um sono profundo, Sofia espreitou o relógio. Eram onze horas e decidiu ir até à praia. Adorava o mar. Gostava de se sentar a observá-lo, de ouvir o murmurejar das ondas ao embaterem nas rochas. Gostava de olhar o céu, no seu esplendor de azul, e de ver a união perfeita entre este e o mar. Meteu-se no carro e, ao som da música de flautas de Pã, conduziu devagar, por entre a paisagem, salpicada de laranja e verde, de árvores esguias e frondosas, que ladeavam a estrada de asfalto de acesso à praia.
Estacionou e desceu as escadinhas até ao areal. Descalçou-se, sentiu a areia macia acariciar-lhe os pés. A brisa marítima, um pouco forte, arrefecia-lhe a pele, entrando pela blusa de lã macia. A saia, rodada e comprida, rodopiava-lhe no corpo, parecendo querer voar livre como uma gaivota. Sofia adorava o Outono, muito mais do que qualquer outra estação do ano. As cores fantásticas com que os campos se vestiam, a brisa fresca ao cair das tardes, os cheiros nas ruas, trazidos pelos assadores de castanhas... extasiavam-na.
Sentou-se, de frente para o mar, a observar o voo rasante das gaivotas sobre as águas que, lentamente, iam pousando na areia, aproximando-se, curiosas, na expectativa, talvez, de um pedaço de comida. Sofia, quieta e curvada sobre as pernas dobradas, ouvia o som que emitiam, parecendo estar felizes, ao contrário dela. Levantou-se e aproximou-se mais do mar.Tocou, ao de leve, os restos de espuma que as ondas deixavam, num movimento oscilante, ao desfazerem-se na areia. Nela escreveu um nome e, em pensamento, deu-lhe um rosto, fez com que existisse e se tornasse real aos seus olhos. Imaginou o seu abraço a envolvê-la. Há muito tempo que desejava viver um grande amor, único, verdadeiro, arrebatador, mas também, sereno, tranquilo, partilhado, pleno. O passado tinha-lhe sequestrado esse desejo. Hoje, Sofia, sentia-se liberta, com uma força imensa para ir ao encontro desse Ser para o qual viveria, e com o qual partilharia a felicidade de amar e de ser amada. Queria acreditar que dele andaria, apenas por qualquer circunstância, desencontrada. Continuou a escrever na areia, palavras ao acaso e a vê-las desaparecer com o esbracejar das ondas. Em pensamento, pedia para que ele viesse ao seu encontro. Todos os momentos, bons ou maus, passariam a pertencer a esse amor. Apelava, em silêncio, para que ele a escutasse, olhando o mar imenso, vestido de um azul profundo. Queria que ele viesse e se sentasse ali com ela para que, juntos, pudessem ouvir a canção que o mar canta. Queria viver com ele cada minuto, como se fosse o último da sua vida e, porque Sofia já apaziguara a sua dor, aprendera a esperar e a sonhar de novo.
Autora: Isabel Vilaverde
Setembro de 2009
(@Todos os Direitos Reservados).