domingo, 30 de junho de 2013

ALICE



 
      A minha vida sem ti é um deserto. Dilui-se nesta gigantesca cidade de vidas solitárias a fingirem ser vidas. Os dias, de muitos sóis, passam, morrendo nas noites de bruma que engolem os corpos - que me engolem num momento de pausa.
     Procuro-te incessantemente nesta cidade labiríntica de recantos e colinas, de ruas longas e avenidas largas manchadas de carros, de gentes e de azáfama, de becos tristes e abandonados, onde e apenas as pedras gritam, nas sombras que se multiplicam, dos candeeiros que tenuemente as iluminam. Em mim jaz um silêncio pesado que me entra nos ossos, um ruído surdo, desde o momento em que desapareceste da minha, das nossas vidas. A tua gargalhada deixei de a ouvir ao acordar das manhãs de Domingo, quando te fazia cócegas e tu pulavas, frenética, na nossa cama. O teu pequeno corpo, franzino e frágil, deixei de o sentir quando te pegava ao colo e tu, de braços abertos e cabeça pendida para trás, imaginavas ser um avião e dizias-me para eu correr porque querias voar... E eu corria, corria pela casa fora, para poderes voar nos meus braços.
      A tua voz, ouço-a agora dentro de mim, no meio do caos em que a minha vida se tornou. Preciso de te encontrar, Alice, de pôr termo à tua ausência que me sufoca. Dupliquei o meu olhar sobre ti. De vez em quando penso ver-te a acenares para mim, de mão rosada no ar. De vez em quando penso ver os teus caracóis a ondularem ao vento, enquanto corres e ris a segurar o papagaio multicolor que te ofereci, no jardim da nossa casa.
      Procuro-te no meio do trânsito, nas ruas apinhadas, junto às montras ou nos cafés, sentada a uma mesa, a lanchares um croissant e a beberes um copo de leite, enquanto me olhas, com esse olhar tão meigo e doce, e me sorris. Pior do que a morte física, é a morte de nada saber de ti. Pior do que viver, é fingir que se vive. E eu finjo. Por ora preciso de fingir para continuar a esgotar os dias e todas as horas à tua procura. Não posso desistir de mim, porque não posso desistir de ti. Recuso a saudade. Quero acreditar que andas apenas perdida dos meus olhos e que em um destes dias, em uma qualquer hora irei encontrar-te. Onde estás, Alice?
 
 
Autora: Isabel Vilaverde
 
- Texto inspirado no filme "ALICE", realizado por Marco Martins (2005)
- Tema musical de Bernardo Sassetti.
 
 



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