segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CARTA A MEU PAI


             Os anos passaram... Faz hoje, dia 18 de Abril, quinze anos que fiquei, ficámos, eu, a mãe, os outros familiares e todos os teus amigos, e eram muitos, privados da tua companhia, da tua alegria de viver, do teu sorriso. Fiquei privada, pai, do teu carinho imensurável quando me abraçavas. Sinto que o tempo fez apenas aumentar a saudade de ti. Guardo, na memória, todos os momentos que desfrutámos juntos. As nossas longas conversas, os fins-de-semana preguiçosos, os jogos de xadrez que eu  me gabava de te ganhar com um brilho nos olhos. Mestre exímio no Jogo das Damas, deixavas-me ganhar alguns jogos para me alimentares o ego, porque eu tinha mau perder. Digo-o com um sorriso. Guardo o teu gesto carinhoso quando me aconchegavas a roupa e me davas um beijo, antes de eu adormecer. Como te posso esquecer, pai? Como posso esquecer o tanto que me deste, as nossas viagens, as descobertas que fizemos juntos, os nossos lutos, as nossas lágrimas... Como posso esquecer o tanto que me ensinaste. Entre outras coisas, a arte de fotografar em estúdio, os segredos do preto-e-branco, como trabalhar em laboratório. Eras um artista, um homem culto, um SENHOR. Tenho o maior orgulho em ti, pai. Felizmente que te pude dizer muitas vezes, olhando-te nos olhos, o quanto te admirava.
            No meio de tantas recordações, recordo com um carinho especial, a nossa vivência em Moçambique. Apesar de pequenina, guardei dela a essência da terra, a alma pura daquelas gentes e a tua imagem, quando regressavas das incursões pelos aldeamentos pelo Norte de Moçambique, no teu velho Jipe Land Rover, coberto de pó amarelo, de onde sobressaiam apenas os olhos, dois pontos de um negro azeitona que me fitavam com tanta ternura.
            Quando, ao cair da tarde, naquela terra de chão vermelho, no bairro periférico de moradias alinhadas e jardins bem cuidados da cidade de Nampula, me sentava contigo a ouvir-te contar histórias incríveis vividas no mato, a minha respiração quase ficava suspensa. Fazia contigo o trilho dessa aventura na qual, só passados uns anos, tomei consciência de como arriscavas a vida para suprires o meu sustento e o da mãe. De boné militar e pele escurecida pela torreira do Sol perdias-te das horas, ora a contar as histórias, ora a brincares comigo, até que a mãe nos chamava para o jantar. O tempo voava na tua companhia e, quando tinhas que partir outra vez, pai, se soubesses como o meu coração ficava apertado... Tinha tanto medo que não voltasses, que os abraços e beijos ficassem, para sempre, suspensos na saudade da tua ausência... Apoderava-se de mim uma tremenda solidão e todos os dias, todos, perguntava à mãe quando voltarias.
            Hoje, ao cair da tarde, sento-me no quintal da nossa casa, sob a luz quebradiça dos candeeiros, onde, ao redor, minúsculas formigas muchém dançam um bailado alado e, tomada de um silêncio que só tu poderias quebrar, desfio estas memórias que me trazem viva. Não sabes, pai, quanta saudade vive dentro de mim. Onde quer que estejas a observar-me, pai, sei que estás, dou-te, através da brisa que leve e quente me acaricia, um beijo com muito amor.
Da tua filha Isabel.

Written by: Isabel Vilaverde
18/04/2013

Imagem: Eliomar Ribeiro.

           
           
       

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PALHAÇO



Palhaço do circo,
Umas vezes pobre outras vezes rico,
Pintas o rosto com a tinta da ilusão,
Escondes as lágrimas com um sorriso.
És saltimbanco sem eira nem beira,
Menino dentro do peito, homem sem fronteira.
De calças largas, remendadas, e sapatos grandes,
Nariz vermelho, vês-te ao espelho,
Não paras... Já velho e cansado tocas trompete,
É esse o teu fado.
Vais gracejando e os meninos gargalhando,
Em todo o lado os aplausos se ouvindo,
As crianças precisam de ti para serem mais felizes,
E tu para viver precisas do sorriso dos petizes.
Escondes os sonhos na palma da mão,
Trazes na maleta retalhos de solidão.
As luzes acendem-se, as cortinas abrem-se,
Os braços levantam-se em jeito de abraço,
És palhaço sem terra, sem pátria,
Mas dono do Espaço!
Hoje as cortinas não se abriram...
As luzes não se acenderam...
Os aplausos não se ouviram...
Levaste, para sempre, o sorriso contigo,
E no lugar do palhaço,
Deixaste um saudoso amigo.

Written by: Isabel Vilaverde
Janeiro de 2012

Imagem: Google.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

TEMPO PARA AMAR



Hoje o sorriso morreu em mim...
Esfumou-se como o sol num dia de nevoeiro.
De que valem agora as palavras?
São mero exercício de retórica...
Sinto a emoção à flor da pele,
Já não posso dizer-te o quanto te admirava,
Dizer-te como no tempo nos perdemos do tempo de dizer,
Era eu uma adolescente interessada pelas artes e pela poesia
Tu, muito mais consciente e convicto do mundo,
Abraçavas a palavra e rasgavas mordomias,
Desinquietavas mentes comodamente instaladas, falavas de utopias,
De conquistas e de prisão, de direitos, de liberdade e de pão.
Rompias silêncios e dor com a tua poesia,
Era imperioso, urgente, combater pela razão, dizer não, e tu dizias.
Volvidos os anos, perdida a amizade neste universo temporal pelas vicissitudes da vida,
Se é que isso é verdade...
Ficam as palavras singelas, os gestos insignificantes perante a tua generosidade,
A tua grandiosidade humana.
Ficam as lágrimas sentidas,
Os afectos jamais morrerão.
Pela palavra, pela igualdade, pela justiça em cada dia, nesta sociedade a precisar de utopia.
Deixaste de estar...
Mas ficaste no coração e na poesia.

Written by: Isabel Vilaverde
4 de Janeiro de 2012
(Homenagem ao Poeta Setubalense Victor Serra
17/11/1950 - 27/08/2011).




 
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