Os anos passaram... Faz hoje, dia 18 de Abril, quinze anos que fiquei, ficámos, eu, a mãe, os outros familiares e todos os teus amigos, e eram muitos, privados da tua companhia, da tua alegria de viver, do teu sorriso. Fiquei privada, pai, do teu carinho imensurável quando me abraçavas. Sinto que o tempo fez apenas aumentar a saudade de ti. Guardo, na memória, todos os momentos que desfrutámos juntos. As nossas longas conversas, os fins-de-semana preguiçosos, os jogos de xadrez que eu me gabava de te ganhar com um brilho nos olhos. Mestre exímio no Jogo das Damas, deixavas-me ganhar alguns jogos para me alimentares o ego, porque eu tinha mau perder. Digo-o com um sorriso. Guardo o teu gesto carinhoso quando me aconchegavas a roupa e me davas um beijo, antes de eu adormecer. Como te posso esquecer, pai? Como posso esquecer o tanto que me deste, as nossas viagens, as descobertas que fizemos juntos, os nossos lutos, as nossas lágrimas... Como posso esquecer o tanto que me ensinaste. Entre outras coisas, a arte de fotografar em estúdio, os segredos do preto-e-branco, como trabalhar em laboratório. Eras um artista, um homem culto, um SENHOR. Tenho o maior orgulho em ti, pai. Felizmente que te pude dizer muitas vezes, olhando-te nos olhos, o quanto te admirava.
No meio de tantas recordações, recordo com um carinho especial, a nossa vivência em Moçambique. Apesar de pequenina, guardei dela a essência da terra, a alma pura daquelas gentes e a tua imagem, quando regressavas das incursões pelos aldeamentos pelo Norte de Moçambique, no teu velho Jipe Land Rover, coberto de pó amarelo, de onde sobressaiam apenas os olhos, dois pontos de um negro azeitona que me fitavam com tanta ternura.
Quando, ao cair da tarde, naquela terra de chão vermelho, no bairro periférico de moradias alinhadas e jardins bem cuidados da cidade de Nampula, me sentava contigo a ouvir-te contar histórias incríveis vividas no mato, a minha respiração quase ficava suspensa. Fazia contigo o trilho dessa aventura na qual, só passados uns anos, tomei consciência de como arriscavas a vida para suprires o meu sustento e o da mãe. De boné militar e pele escurecida pela torreira do Sol perdias-te das horas, ora a contar as histórias, ora a brincares comigo, até que a mãe nos chamava para o jantar. O tempo voava na tua companhia e, quando tinhas que partir outra vez, pai, se soubesses como o meu coração ficava apertado... Tinha tanto medo que não voltasses, que os abraços e beijos ficassem, para sempre, suspensos na saudade da tua ausência... Apoderava-se de mim uma tremenda solidão e todos os dias, todos, perguntava à mãe quando voltarias.
Hoje, ao cair da tarde, sento-me no quintal da nossa casa, sob a luz quebradiça dos candeeiros, onde, ao redor, minúsculas formigas muchém dançam um bailado alado e, tomada de um silêncio que só tu poderias quebrar, desfio estas memórias que me trazem viva. Não sabes, pai, quanta saudade vive dentro de mim. Onde quer que estejas a observar-me, pai, sei que estás, dou-te, através da brisa que leve e quente me acaricia, um beijo com muito amor.
Da tua filha Isabel.
Written by: Isabel Vilaverde
18/04/2013
Imagem: Eliomar Ribeiro.