Olhar ausente...
Distante como os sonhos
Que te habitaram a juventude,
E na pele tão marcada,
O martírio, o sofrimento,
Os enlaces que um dia
Te aconchegaram o coração,
O desencanto, o desamor,
As lágrimas choradas
Por aqueles que partiram,
O vazio que te ficou no peito...
Um dia foste filho, pai, amor
Foste capitão de navio,
Sapateiro, pescador...
Um dia foste o sonho
De uma mulher,
Um porto seguro, um sonhador,
Despiste a farda do egoísmo
E deste-te aos outros...
Albergaste ideais,
Lutaste com convicção,
Gritaste revolta,
Fizeste da tua vida
Um hino de esperança, uma revolução,
Entre guerras e batalhas
Foste um vencedor.
Hoje, as tuas mãos
Abrem-se ao vazio
De um rosto para acariciar,
De um corpo para tocar.
Na tua boca vegeta apenas
O silêncio das palavras,
E o teu corpo,
Quase inerte pelas dores do tempo,
Arrasta-se, penosamente,
Para um beco qualquer,
Nele abrigas
A pesada herança da velhice,
Estás só... tão só como as pedras
Da fria calçada que te acolhe.
Desvaneceu-se o brilho de outrora
E nos olhos, ficou o esquecimento
Dos que amaste nos tempos de glória,
Tens como tecto a noite,
No coração, ausência e dor.
Recebes nas mãos trémulas
Um prato de sopa quente,
Porque entre diabos e anjos,
Existe amor!
Written by: Isabel Vilaverde
Outubro 2010